Fonte: Moto Club
No final de outubro, prometi em texto desta coluna que faria uma segunda parte sobre os efeitos da Lei do Mandante[1] para os clubes nordestinos. Os campeonatos estaduais deram mais trabalho, então, para não ser muito longo, passarei hoje por quatro dos nove, considerando a ordem alfabética: Alagoas, Bahia, Ceará e Maranhão. Os demais virão na semana que vem.
A coleta de dados foi feita diretamente nos sites das federações estaduais, a partir dos regulamentos específicos do campeonato (REC) local de 2021 e 2022 (nos casos em que já está publicado) e nos regulamentos gerais (RGC), quando estavam acessíveis. Para informações sobre a transmissão em 2021 ou ano anteriores, usamos textos publicados anteriormente nesta coluna e notícias de sites esportivos.
O objetivo principal deste texto é ver quais federações exigem a centralização de negociação de direitos, quais as que se contentam em autorizar e quem não tem isso definido. Esse ponto é importante porque, sem limitação no regulamento, os clubes poderiam usar a Lei do Mandante para transmitir as suas partidas, agora sem a necessidade de acordo com outras entidades desportivas. Pela limitação do espaço e falta de mais referências sobre valores de cotas, tratarei disso em apenas alguns casos.
Fonte: FAF
Direitos comerciais centralizados pela FAF
O link com o RGC dos torneios organizados pela Federação Alagoana de Futebol (FAF) deu erro quando busquei as informações para este texto. Assim, tivemos apenas o REC da primeira divisão do Alagoano como referência. Neste caso, a única limitação é sobre o merchandising nos espaços de jogo, algo presente no Art. 47.
Do que acompanho enquanto torcedor, a FAF centraliza a negociação, sem os clubes poderem (re)transmitir suas partidas em plataformas próprias[2]. Em 2021, o Campeonato Alagoano foi exibido pela Band Nordeste na TV aberta, um jogo por rodada, e pelo canal “FAF TV” no Youtube.
Como esse modelo de transmissão existe desde 2020, buscamos no balanço financeiro do CSA se havia informações sobre o pagamento de cotas do torneio, mas não havia nada sobre. O CRB também não relatou receita pelo estadual numa resposta a processo do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
FBF centraliza, mas permite retransmissão
O REC de 2021 do Campeonato Baiano trata no Art. 35 que a quantidade de jogos transmitidos seria definida no contrato de cessão, podendo ser a mesma partida para a TV aberta e para o streaming. Não encontrei o RGC.
Uma das novidades na transmissão dos estaduais de 2021 no Nordeste foi o acordo da TVE Bahia com a Federação Bahiana de Futebol (FBF), que também comentamos nesta coluna. Até 2020, vigorava um modelo particular, que beneficiava financeiramente Bahia e Vitória, que recebiam 7,5x mais que os demais clubes, e entravam no contrato de forma separada, conforme anexo da FBF em resposta ao CADE: “Negociação coletiva feita com intermédio da FBF […], com participação individual do Esporte Clube Bahia, Esporte Clube Vitória e com validade para os demais clubes participantes da competição”.
Para 2021 e 2022, a FBF manteve o procedimento de negociação, mas com a possibilidade de os clubes fazerem transmissão de seus jogos em plataformas próprias – ou negociadas, caso do Vitória, que cedeu a retransmissão para o Nordeste FC (streaming da Liga do Nordeste). Para o ano que vem, o Sócio Digital do Bahia terá exclusividade na transmissão digital de partidas do clube, considerando que a TVE Bahia reproduziu neste ano os jogos em seu canal no Youtube.
Neste caso, Bahia e Vitória seguiriam ganhando bem mais que os demais clubes baianos, mas com a possibilidade de faturar além do contrato principal de transmissão a partir de uma plataforma digital.
FBF centraliza, mas permite retransmissão
O REC de 2021 do Campeonato Baiano trata no Art. 35 que a quantidade de jogos transmitidos seria definida no contrato de cessão, podendo ser a mesma partida para a TV aberta e para o streaming. Não encontrei o RGC.
Uma das novidades na transmissão dos estaduais de 2021 no Nordeste foi o acordo da TVE Bahia com a Federação Bahiana de Futebol (FBF), que também comentamos nesta coluna. Até 2020, vigorava um modelo particular, que beneficiava financeiramente Bahia e Vitória, que recebiam 7,5x mais que os demais clubes, e entravam no contrato de forma separada, conforme anexo da FBF em resposta ao CADE: “Negociação coletiva feita com intermédio da FBF […], com participação individual do Esporte Clube Bahia, Esporte Clube Vitória e com validade para os demais clubes participantes da competição”.
Para 2021 e 2022, a FBF manteve o procedimento de negociação, mas com a possibilidade de os clubes fazerem transmissão de seus jogos em plataformas próprias – ou negociadas, caso do Vitória, que cedeu a retransmissão para o Nordeste FC (streaming da Liga do Nordeste). Para o ano que vem, o Sócio Digital do Bahia terá exclusividade na transmissão digital de partidas do clube, considerando que a TVE Bahia reproduziu neste ano os jogos em seu canal no Youtube.
Neste caso, Bahia e Vitória seguiriam ganhando bem mais que os demais clubes baianos, mas com a possibilidade de faturar além do contrato principal de transmissão a partir de uma plataforma digital.
Fonte: Fortaleza
FCF e a LiveMode
O RGC da Federação Cearense de Futebol (FCF) traz duas limitações sobre a negociação de direitos de transmissão de seus campeonatos. O inciso V do Art. 4º coloca dentre as competências da federação:
“autorizar, prévia e expressamente, a captação, fixação, exibição, transmissão direta ou por vídeo tape e reexibição, de sons e imagens em televisão aberta, fechada, PPV ou internet, ou ainda, por quaisquer outros meios audiovisuais, de partidas das competições, salvo os direitos cedidos a terceiros ou objeto de contrato vigente firmado pelas partes legitimamente envolvidas, com obrigatória anuência da FCF (FCF, 2021, p. 6, grifo nosso).”
Além disso, há no Art. 93 que “todos os direitos comerciais e audiovisuais das competições pertencem à FCF”, com delimitação no parágrafo primeiro delimitando de que “toda e qualquer renda advinda de contrato de transmissão de jogo pela TV e comercializações de qualquer natureza das partidas será destinada a FCF o valor de 15%” (FCF, 2021, p. 52).
Em 2021, a FCF assinou contrato até 2025 com a LiveMode, mesma agência responsável pela Copa do Nordeste desde 2019. Assim, os jogos do Cearense foram para o Nordeste FC, mas com transmissão da segunda fase do torneio, com Ceará e Fortaleza, pela TV Jangadeiros (afiliada do SBT).
Em 2020, o modelo de distribuição de cotas no contrato com a TV Verdes Mares (Globo) havia sido modificado. Ceará e Fortaleza receberam um valor fixo, R$ 600 mil, com as demais oito equipes ganhando R$ 60 mil cada e outros R$ 320 mil sendo divididos dentre elas de acordo com a classificação geral.
Se o parâmetro for semelhante, de valores gerais e da repartição, vantagem para as equipes que disputam a Copa do Nordeste, Ceará, Floresta e Fortaleza, pois terão mais jogos para receberem por assinatura da plataforma da liga regional.
FMF libera sob condições
O REC do Maranhense em 2021 traz um capítulo específico para tratar “da transmissão e direitos de publicid
“Os clubes cedem com exclusividade à FMF, em todo o território estadual, nacional e internacional, em caráter irrevogável, todos os direitos de captação, fixação, exibição, transmissão e reexibição de sons e imagens em televisão aberta, fechada e internet de todos os jogos do Campeonato. A FMF poderá ceder a terceiros, no todo ou em parte, no Brasil e no exterior, os direitos a ela cedidos (FMF, 2021, p. 19).”
O parágrafo primeiro impõe multa de R$ 10 mil por jogo exibido sem autorização, enquanto o segundo informa a transmissão das partidas pela federação em sua plataforma de internet.
O RGC da FMF traz os mesmos elementos já citados no inciso V do Art. 4º do caso cearense, que se repete até no local. A novidade está no Art. 101:
“Constitui prerrogativa exclusiva da FMF autorizar a exploração comercial do nome, marcas, símbolos, publicidade estática e demais propriedades inerentes às suas competições, cabendo-lhe ainda autorizar a transmissão, retransmissão ou reprodução de imagens, por quaisquer meios, das partidas de suas competições (FMF, 2021, p. 45, grifo nosso).”
Ao retomar o Maranhense de 2020, com a vigência da Medida Provisória 984, a FMF comunicou aos clubes que poderia ceder a transmissão para clube mandante, mas com todas as obrigações de produção. O Moto Club montou uma plataforma de streaming própria (“Eu Sou É Moto!”, com custo mensal de R$ 10), enquanto o Juventude transmitiu no MyCujoo (atual Eleven Sports), mas não podiam exibir jogos da final.
O Moto tentou judicialmente usar a MP do Mandante para transmitir o segundo jogo da final, realizou a transmissão mesmo sem a autorização da federação e foi punido com a multa. A FMF reclamou ainda que os clubes não haviam divulgado as marcas patrocinadoras do torneio estadual.
Em 2021, a federação manteve o “entendimento de viabilizar, aos clubes, a possibilidade de arrecadação, dado o momento de pandemia, abrindo mão, parcialmente, dos direitos de transmissão”.
O Moto Club exibiu novamente seus jogos como mandante, com exceção da final (com custo mensal de R$ 19,90). Além disso, como havia restrição aos jogos contra outro time de São Luís, para o SuperClássico da primeira fase, criou com o Sampaio Corrêa uma plataforma própria de transmissão, dividindo a receita líquida de acordo com qual torcida comprou mais ingressos virtuais.
As outras partidas ficaram com o canal do Youtube “FMFTV”, com as finais sendo transmitidas na TV Mirante (afiliada da Globo).
Considerações parciais
Desse grupo de estaduais, importante registrar que Ceará e Bahia conseguem estabelecer contratos que duram mais de uma temporada e as equipes de maior torcida têm alguns privilégios que vão além do valor (bem) maior que os demais adversários no certame. Conseguiram ter maior flexibilidade para transmissão em plataformas próprias ou onde as assinaturas podem aumentar a receita do pay-per-view.
A “concorrência” com a Copa do Nordeste também pesa para essa situação, pois os clubes podem atuar com menor interesse no estadual, onde mesmo sob essas condições se recebe menos.
As federações de Alagoas e Maranhão precisam gastar com transmissão própria das partidas, o que serve para dar maior visibilidade aos patrocinadores dos torneios. No caso alagoano, talvez por falta de interesse dos clubes de maior torcida, a federação consegue controlar todo o processo.
Já no caso maranhense, a federação sugere a transmissão para os clubes que se interessarem por isso. Apenas o Moto Club tentou sob um modelo de pagamento, o que significa avaliar a viabilidade da transmissão pelos custos da produção e a possibilidade de receita.
É importante lembrar, pegando o caso do Baiano, que retransmissão não dá tantos custos aos clubes que optarem por esse modelo. No máximo, terá que se pagar a equipe de narração do dia. A parte técnica é muito mais complicada e, por isso, não vem sendo algo que, no caso dos estaduais, gera interesse da maioria dos clubes individualmente.
Nos casos aqui elencados, demonstra-se que a centralização das federações locais é hegemônica, com a flexibilidade dependendo da autorização, independentemente da mudança da regulamentação sobre o tema.
Notas
[1] Lei nº 14.205/2021, cujo objetivo foi “modificar as regras relativas ao direito de arena sobre o espetáculo desportivo” na Lei Pelé (Lei nº 9.615/1998). Em síntese, o direito de negociar a propriedade da transmissão de um jogo de futebol passa a ser do mandante, não mais entre as duas equipes em disputa.
[2] Publiquei este ano um texto sobre o impacto da transmissão de times alagoanos na TV aberta. É o 21º capítulo do livro “Esporte, Mídia, Identidades Locais e Globais”, organizado por Ronaldo Hellal, Leda Costa e Carol Fontenelle, disponível de forma digital.
SANTOS, Anderson David Gomes dos. Possíveis efeitos da “Lei do Mandante” para clubes nordestinos (2). Ludopédio, São Paulo, v. 149, n. 26, 2021. Disponível em: https://ludopedio.org.br/arquibancada/possiveis-efeitos-da-lei-do-mandante-para-clubes-nordestinos-2/