Imagem: A taça do Brasileirão da Série C (Lucas Figueiredo/CBF)
CBF alega ter prejuízo com a Série C, mas tem superávit geral e não tem um sistema de distribuição de receitas de direitos de transmissão, mas há formas de melhorar e mudar isso
Recebi de um amigo torcedor do Santa Cruz a pergunta que dá título a este texto. Afinal, a edição de 2021 da Série C do Campeonato Brasileiro terá transmissão da Band, para Norte, Nordeste e interior de São Paulo, do DAZN e da TVN Sports. Desses, apenas o primeiro de forma gratuita. Mas os clubes não ganham nada por isso.
A plataforma de streaming DAZN é a proprietária dos direitos de transmissão da Série C desde 2019, assumindo o lugar do Esporte Interativo, pagando cerca de R$ 20 milhões por temporada para a CBF, que usa este valor para pagar custear a competição.
Para tentar saber o porquê de os clubes não ganharem, em tempo que apontaremos algumas possibilidades, partiremos para receitas e despesas da entidade e para uma discussão sobre o modelo optado no contrato de cessão de direitos de transmissão da Série C.
Opção 1: Não deveria ser “auxílio”!
A confederação brasileira julho, os 20 clubes pediram novo apoio financeiro e início do torneio junto às Séries A e B, mas foram atendidos apenas na segunda solicitação.
Desta vez, porém, além times das Séries C e D do Campeonato Brasileiro de homens, e das Séries A1 e A2 do Brasileiro de mulheres, as federações também ganharam R$ 120 mil. Vale salientar que é um momento de grande crise interna no grupo político que comanda a entidade há 32 anos. As federações têm maior poder de voto nas eleições da entidade. Com o apoio delas, vence-se a eleição, mesmo que todos os clubes das Séries A e B, que também participam da votação, apoiem outro candidato.
A soma dos auxílios da CBF nos dois anos é de R$ 8 milhões, 25% do que a DAZN pagou pelos direitos de transmissão do torneio. Porém, segundo as “Demonstrações Financeiras 2020” da entidade, os gastos com o campeonato subiram de R$ 33,966 milhões para R$ 42,530 milhões.
Segundo o documento, os custos da competição são os seguintes: “dispêndios com mídias, ações de marketing, arbitragem, exames antidoping, transportes aéreos e terrestres e hospedagens”. Assim, podemos concluir que o valor pago para a transmissão seria insuficiente para manter o torneio. Portanto, nada feito?
Não. Vamos observar por outro lado, o das receitas gerais da confederação. Ainda segundo o balanço publicado pela CBF, a pandemia gerou uma queda de 25% nas receitas quando comparado ao ano anterior (R$ 957,002 milhões X R$ 715,914 milhões). Ainda assim, a demonstração acaba com a seguinte informação: “a CBF obteve superávit de R$ 48.859 (quarenta e oito milhões e oitocentos e cinquenta e nove mil reais), mantendo reservas financeiras que alcançam o somatório de R$ 873.313 (oitocentos e setenta e três milhões e trezentos e treze mil reais)”.
Pensando num torneio que ocorre durante a pandemia de Covid-19, com o necessário fechamento de portões dos estádios, só há a publicidade em camisas como fonte de receitas. Como é na Série C e sem visibilidade de mídia nacional, pode-se imaginar que não é lá grande coisa.
Assim, mais que “auxílio”, deveria ser obrigação da CBF passar recursos para os clubes que disputam o torneio, por mais que o valor das cotas de TV não paguem os custos. Imagina numa crise com essa proporção. Com superávit mesmo em tantas crises dos últimos anos, cabe a ela não só socorrer, mas criar uma forma de fortalecer os clubes.
Opção 2: Melhorar os contratos
Compreende-se que o modelo de negócio da DAZN é de maior risco que o normalmente assumido por emissoras de TV aberta e fechada. É preciso considerar que houve diminuição de investimento em direitos pela plataforma de streaming, especialmente com a pandemia, que não pode se beneficiar de tantos tipos de conteúdo para pagar os direitos mais caros. Além disso, a assinatura mensal baixou nos últimos anos, estando em R$ 19,90, mas vale apenas para metade dos jogos da primeira fase e para os jogos das demais fases.
No ano passado, o My Cujoo cobrou por um pacote de jogos, neste, é a TVN Sports que sublicenciou o direito de exibir a outra metade dos jogos da primeira fase, cobrando um valor único de R$ 59,90. Considerando um tempo médio de 4 meses de competição, isso daria mais R$ 15 por mês.
Assim, até compreendo o sublicenciamento para pagar os custos com os direitos, mas não entendo que essa relação contratual não seja estabelecida de forma mais transparente com os clubes, que estão a mercê do que a CBF define.
No ano passado, com a Série C iniciando sob vigência da Medida Provisória 984/2020, a MP do Mandante, o Londrina tentou usá-la para transmitir seus jogos em casa, chegando a anunciar plataforma própria com esse fim, mas foi barrada pela entidade, que articulou, de última hora, uma parceria com o My Cujoo para os jogos que não teriam transmissão audiovisual.
Há modelos melhores já existentes. Ficando no futebol, a Copa do Nordeste vende os direitos da Copa do Nordeste para o SBT Nordeste, mas com uma margem para um valor maior de acordo com o que a emissora conquistar de publicidade. Isso, por sinal, já estava presente no contrato com a Top Sports/Esporte Interativo assinado em 2010, com modificação em 2013, que garantiu financeiramente a competição.
Quanto ao sublicenciamento, seria uma das mudanças na tentativa de licitação do Clube dos 13 para a transmissão da Série A, em 2011. A partir de determinado valor de revenda, a emissora que adquiriu os direitos era obrigada a repassar aos clubes – trato no meu livro “Você pode ler a história da ascensão e queda do Clube dos 13 aqui na Trivela.
Outra opção seria um critério de pagamento para clubes a partir de determinado número de assinantes, que pagaria os custos, como ocorre com plataformas de streaming como o Premiere (para a Série A e, em raros casos, na Série B) e no Nordeste FC. Ajudaria, por sinal, a própria plataforma a garantir maior divulgação dos clubes e interesse das torcidas. Afinal, assiná-la seria ajudar diretamente a equipe do coração a ter mais receita.
Ou seja, definir critérios para o sublicenciamento ou qualquer outro ganho a partir de um torneio de futebol já existiu como ideia antes e está em vigor em torneios no país e poderia constar no acordo com a DAZN.
Considerações finais
Na minha avaliação, caminhos para distribuir recursos para participantes da Série C – mas também para as séries D e A1 e A2 do futebol de mulheres – existem, resta saber se há interesse político para dar melhores condições econômicas para os clubes que disputam torneios que, por enquanto, seguem deficitários. Com melhores condições para que os clubes disputem o torneio, mais interesse de marcas para publicidade dele e dos clubes e ainda mais para o público (espectador), incluindo quem não tem times envolvidos, para acompanhar a competição.
SANTOS, Anderson David Gomes dos. Por que os clubes da Série C não recebem cotas de transmissão? Trivela, São Paulo, 8 jun. 2021. Disponível em: https://trivela.com.br/na-bancada/por-que-os-clubes-da-serie-c-nao-recebem-cotas-de-transmissao/. Acesso em: 18 ago. 2023.