Fortaleza E.C. X C.R. Flamengo, realizado na Arena Castelão em Fortaleza/CE, pela Série A do Brasileirão 2019. Foto: JARBAS OLIVEIRA/ALLSPORTS/Fotos Públicas
Com 48% do número total, sendo 13,2 milhões dos 27,8 milhões de torcedores, o Nordeste é a região com maior população proporcional que torce para mais de um clube de futebol. Os números da pesquisa IBOPE Repucom, divulgada em maio de 2020, retratam o cotidiano vivido pelos torcedores da região: a convivência diária com entidades futebolísticas de fora da territorialidade que acaba gerando afetação e identificação em massa.
Essa constância se faz presente em todos os aportes da vida cotidiana dos torcedores, desde um simples café na praça ao toque de cinco segundos que antecede o início de partidas de grandes times construídos como nacionais. A presença desses clubes de fora, em sua imensa maioria, do eixo Rio de Janeiro-São Paulo, na vida do povo nordestino não é de hoje e, muito menos, será encerrada agora. Mas sabemos de onde veio, o que ocasionou e o que vem gerando, até hoje.
Uma política estruturada em prol da identidade nacional, encabeçada por Getúlio Vargas, por exemplo, foi um dos mais importantes motivadores dessa construção. No alto da década de 30, como aponta Del Priore (2017, p.184) o regime varguista viu no futebol e nos meios de comunicação a união perfeita para disseminar suas ideias, ações e, enfim, a integração nacional como partícipe de um projeto de um novo Brasil que pudesse ser um só, sem distinções territoriais. Vargas utilizou o futebol como símbolo nacionalista com o objetivo de unir o país. Para isso, o Estado se utilizou da Seleção Brasileira e, também, de alguns clubes, contribuindo para a formação hegemônica.
O Flamengo-RJ, por exemplo, teve o início da sua formação hegemônica da “maior torcida do país” através da política nacionalista, como aponta Coutinho (2013). Sediado no Rio de Janeiro, o clube recebeu incentivo para estruturar-se ainda mais no cenário nacional.
Jogo a jogo, conquista após conquista, o clube se consolidava com o maior do país em número de torcedores. Em 2019, segundo pesquisa realizada pelo Datafolha, a maior torcida do Nordeste, mesmo com grandes clubes que figuram na elite do futebol brasileiro, é a do Flamengo-RJ. As pessoas que se identificam como flamenguistas representam 27% da população regional, Corinthians-SP (9%), São Paulo-SP (6%), Palmeiras-SP (5%), Vasco-RJ (5%) e Seleção Brasileira (5%) também aparecem em melhor colocação do que as equipes da região como Bahia-BA e Sport-PE, que representam 4% cada, seguido por Santa Cruz-PE, Fortaleza-CE e Vitória-BA, todos com 2%.
Com 48% do número total, sendo 13,2 milhões dos 27,8 milhões de torcedores, o Nordeste é a região com maior população proporcional que torce para mais de um clube de futebol. Os números da pesquisa IBOPE Repucom, divulgada em maio de 2020, retratam o cotidiano vivido pelos torcedores da região: a convivência diária com entidades futebolísticas de fora da territorialidade que acaba gerando afetação e identificação em massa.
Essa constância se faz presente em todos os aportes da vida cotidiana dos torcedores, desde um simples café na praça ao toque de cinco segundos que antecede o início de partidas de grandes times construídos como nacionais. A presença desses clubes de fora, em sua imensa maioria, do eixo Rio de Janeiro-São Paulo, na vida do povo nordestino não é de hoje e, muito menos, será encerrada agora. Mas sabemos de onde veio, o que ocasionou e o que vem gerando, até hoje.
Uma política estruturada em prol da identidade nacional, encabeçada por Getúlio Vargas, por exemplo, foi um dos mais importantes motivadores dessa construção. No alto da década de 30, como aponta Del Priore (2017, p.184) o regime varguista viu no futebol e nos meios de comunicação a união perfeita para disseminar suas ideias, ações e, enfim, a integração nacional como partícipe de um projeto de um novo Brasil que pudesse ser um só, sem distinções territoriais. Vargas utilizou o futebol como símbolo nacionalista com o objetivo de unir o país. Para isso, o Estado se utilizou da Seleção Brasileira e, também, de alguns clubes, contribuindo para a formação hegemônica.
O Flamengo-RJ, por exemplo, teve o início da sua formação hegemônica da “maior torcida do país” através da política nacionalista, como aponta Coutinho (2013). Sediado no Rio de Janeiro, o clube recebeu incentivo para estruturar-se ainda mais no cenário nacional.
Jogo a jogo, conquista após conquista, o clube se consolidava com o maior do país em número de torcedores. Em 2019, segundo pesquisa realizada pelo Datafolha, a maior torcida do Nordeste, mesmo com grandes clubes que figuram na elite do futebol brasileiro, é a do Flamengo-RJ. As pessoas que se identificam como flamenguistas representam 27% da população regional, Corinthians-SP (9%), São Paulo-SP (6%), Palmeiras-SP (5%), Vasco-RJ (5%) e Seleção Brasileira (5%) também aparecem em melhor colocação do que as equipes da região como Bahia-BA e Sport-PE, que representam 4% cada, seguido por Santa Cruz-PE, Fortaleza-CE e Vitória-BA, todos com 2%.
Foto: Alexandre Vidal/Flamengo/Fotos Públicas
Mesmo que ainda não ameaçada, essa hegemonia passou a ser questionada há alguns anos em movimentos de resistência regional à tendência ainda constante da ideia nacionalista homogeneizadora.
Foi em 2008 quando as primeiras manifestações contra torcedores de entidades futebolísticas de fora da sua territorialidade, originárias das arquibancadas, começaram a ganhar dimensões maiores do que nos estádios, apenas. Segundo Vasconcelos (2011, p.12), em novembro daquele ano, a torcida do Vitória-BA estendeu a faixa com os escritos “vergonha do Nordeste”, direcionado a torcedores do Flamengo-RJ que, mesmo morando distante territorialmente daquela entidade, estampavam as cores do Rubro-Negro com amor e devoção.
Na sequência, as palavras contra torcedores de times de fora da região tornaram-se mais constantes. Das arquibancadas em movimentos isolados, para organizações de torcedores, perpassando pela apropriação do discurso pelas empresas de mídia que iniciaram a transmissão esportiva dos times e competições da região, e também pelos próprios clubes.
Desde então, o futebol nordestino teve uma potencialização no cenário de disputas. Potencializando as disputas entre os anti-mistos, que surgem como resistência aos chamados mistos, indivíduos com bifiliação clubística, ou seja, que torcem para um clube e simpatizam por outro.
Nos últimos anos, os espaços de disputa e confrontação são ainda maiores, quer seja no ambiente das arquibancadas ou digital. Motivados pela vivência na margem do futebol, os torcedores nordestinos buscam uma atenção maior aos times da região para que estes possam se estruturar e permanecer nos cenários nacionais sem o peso do exótico, zebra ou “saco de pancadas”.
Uma realidade que vem sendo construída a duras penas por clubes, torcedores e incentivadores do futebol nordestino. Apesar do que a mídia hegemônica insiste em erroneamente ressaltar, da simpatia por essas entidades em uma coexistência saudável com as maiores torcidas do Brasil, em contentamento com a subalternidade nestas relações, os clubes nordestinos passaram a assumir postura de disputar, de forma direta, estes torcedores.
Campanhas de marketing em busca da fidelização do torcedor e em busca da adesão em totalidade dos “simpatizantes” são vistos como necessários para que o crescimento possa trazer maiores possibilidades de crescimento e consolidação. O que possibilitaria uma melhor estruturação do clube e, também, desenvolvimento regional.
Os movimentos também são vistos de forma negativa por quem não é da região e observa, mesmo que em menor proporção, as disputas como desrespeitosas, com os torcedores com o time do coração definido, e violentas. Como o uso de “xenofobia reversa” pelo jornalista Mauro Cezar Pereira, após a campanha “anti-mistos” do Leão do Pici ganhar repercussão nacional, em outubro de 2019.
Como tudo na existência fora da região nos mostrou, resistir enquanto nordestino é uma tarefa árdua e disputar espaços nacionais ainda mais. Parafraseando Euclides da Cunha, no mercado capitalista, seguindo os preceitos da identidade fluida a qual fazemos parte, é necessário que tenhamos em mente que o torcedor é, antes de tudo, um consumidor. E por isso, a indústria do esporte se estrutura para assumir os processos de decisão de todos os torcedores, desde afetação pela conquista a participação mútua com estes indivíduos na constituição do fortalecimento da região enquanto potência no desporto.
Pesquisadores do marketing entendem que todos os torcedores, conectados por interesses, são considerados vulneráveis em uma realidade com mudanças constantes na vida cotidiana.
Nessa nova era, todos os torcedores são inconstantes; e todos os torcedores estão em jogo. Os concorrentes se empenham cada vez mais em guerra total pelo dinheiro, pelo tempo e pela preferência dos torcedores. Os executivos do mundo do esporte enfrentam hoje um novo nível de competição, uma verdadeira corrida para sobreviver num mercado assoberbado pelas opções, e uma batalha para definir, atrair e manter a fidelidade dos torcedores cada vez mais inconstantes. (REIN et al., 2008, p.20)
São estes inconstantes que precisam ser disputados visando a consolidação das equipes regionais frente à hegemonia que ainda nos cerca. Desse modo, mesmo com a possibilidade de coexistência em um cenário onde os torcedores mistos possam contribuir com o desenvolvimento dos clubes, as entidades representativas passam, agora, para a busca destes torcedores, em um processo de fidelização. O que, mesmo que insistam em falar, não é errado.
Se estão no mesmo espaço, no mesmo patamar, não há motivos para que a busca pelo torcedor inconstante não seja feita. Há de se levar em consideração, no entanto, que o futebol envolve muito mais do que 90 minutos de jogo e cores de camisas. É sentimento, pertença necessária a cada indivíduo que busca viver em sociedade. Independe de como o torcedor foi afetado para aderir a entidade X ou Y como clube do coração.
É foco, neste momento, a busca pela resistência ativa através do afeto que para Guidi, Moriceau e Paes (2019) é algo que nos abre ao outro e a outros sentidos. A singularidade, porém, não deve ser negada, ao contrário, a “vida política transcorre em um espaço onde os concidadãos decidiram agir de comum acordo ou agir em comum, mas não abdicaram de seu direito natural de pensar e julgar individualmente”, afirma Chauí (2003, p. 243), referindo-se aos §2 e 3 do cap.III do Tratado Político de Espinosa.
Referências
DEL PRIORE, Mary. Histórias da gente brasileira: Brasil República. Rio de Janeiro: Leya, 2017
REIN, Irving; KOTLER, Philip; SHIELDS, Ben. Marketing Esportivo: A reinvenção do esporte na busca de torcedores. Bookman, 2008.
VASCONCELOS, Artur Alves de. Identidade futebolística: os torcedores “mistos” do Nordeste. Dissertação de mestrado, PPGS/UFC, 2011.
COUTINHO, Renato Soares. Um Flamengo grande, um Brasil maior: O clube de Regatas do Flamengo e o imaginário político nacionalista popular (1933-1955). Tese de doutorado, UFF, 2013.
PESQUISA APONTA QUE 41,4 MILHÕES DE PESSOAS TORCEM POR MAIS DE UM CLUBE NO BRASIL. Globoesporte.com, 2020. Acesso em: 12 de julho de 2021.
EM SUA REGIÃO, TIMES NORDESTINOS TÊM MENOS TORCIDA DO QUE FLA. Folha de S.Paulo, 2019. Acesso em: 12 de julho de 2021.
ARAÚJO, Ana Flávia Nóbrega. O torcedor é, antes de tudo, um consumidor: disputas e coexistência com torcedores mistos. Ludopédio, São Paulo, v. 146, n. 43, 2021. Disponível em: https://ludopedio.org.br/arquibancada/o-torcedor-e-antes-de-tudo-um-consumidor-disputas-e-coexistencia-com-torcedores-mistos/. Acesso em: 27 out. 2023.